Governo federal cobra educação antirracista nas polícias de SP após morte de marceneiro negro
09/07/2025
(Foto: Reprodução) Guilherme Dias morreu na sexta-feira (4) após levar um tiro na cabeça disparado pelo policial militar Fábio Anderson, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, enquanto corria para pegar um ônibus. SSP disse que PMs integram grupo de trabalho antirracista para construir segurança pública mais inclusiva. Guilherme e Sthephanie completariam dois anos de casados em agosto. Eles tinham o sonho de ter filhos e planejavam viajar para comemorar a data.
Arquivo pessoal
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) publicou nesta quarta-feira (9) um comunicado exigindo apuração rigorosa na investigação do assassinado do marceneiro negro Guilherme Dias Santos Ferreira.
O jovem morreu na sexta-feira (4) após levar um tiro na cabeça disparado pelo policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, enquanto corria para pegar o ônibus de volta para casa, cerca de minutos após bater o ponto de saída no trabalho.
"O MDHC exige uma apuração rigorosa, célere e transparente do caso, com a imediata responsabilização de todos os envolvidos. A justiça para Guilherme Dias e sua família é um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, onde a cor da pele não defina o risco de morte", escreveu.
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Em um trecho do comunicado, a pasta se solidarizou com a família de Guilherme e solicitou a inclusão de uma educação antirracista nas polícias para combater o racismo institucional.
"[Há] a necessidade inadiável da adoção de uma formação contínua em direitos humanos pelos órgãos policiais. Essa formação deve incluir uma educação antirracista, combatendo o racismo institucional que, infelizmente, ainda permeia nossas estruturas de segurança pública e se manifesta em ações violentas e discriminatórias."
No boletim de ocorrência, o PM alegou que teria confundido o jovem com um assaltante. Agente do 12° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, Fábio chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo após o crime, mas pagou fiança de R$ 6,5 mil e foi liberado. Ele foi afastado do serviço operacional.
Na ação, uma mulher, que estava no ponto de ônibus, foi atingida de raspão por um disparo. A defesa do policial disse que não vai se manifestar e irá aguardar o andamento das investigações.
Na segunda-feira (7), o coronel Emerson Massera, chefe de comunicação da Polícia Militar do Estado de São Paulo, afirmou que o agente que atirou na cabeça e matou o marceneiro cometeu um "erro de avaliação".
PM diz que policial de folga cometeu 'erro de avaliação' ao atirar marceneiro
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que o policial responde a inquérito conduzido pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Segundo a SSP, a gestão investe na qualificação das forças de segurança e atualização dos protocolos de operação.
"Durante a formação, todos cursam disciplinas de Direitos Humanos que abordam o combate ao racismo, à violência de gênero e a outros crimes de intolerância. Além disso, a Polícia Militar integra o grupo de trabalho 'Movimento Antirracista – Segurança do Futuro', coordenado pela Universidade Zumbi dos Palmares, voltado à construção de uma segurança pública mais equitativa e inclusiva", afirmou.
Quem era Guilherme Dias
Ao g1, a prima Larissa Souza, de 28 anos, contou que Guilherme havia comemorado o aniversário no último fim de semana de junho — ele completou 26 anos. Primos, os dois moravam no mesmo quintal e cresceram com os outros quatro irmãos do jovem.
"A gente costumava sair juntos e fazer programação em família. Quando íamos à praia, a gente juntava a família toda. Recentemente, fomos para Peruíbe [litoral de SP]. Ele foi com a esposa, e eu estava presente", relembrou Larissa.
Guilherme e Larissa eram primos e cresceram no mesmo quintal, em Parelheiros, SP
Arquivo pessoal
Conhecido entre colegas e familiares pelo comprometimento com o serviço e pela dedicação à família, o jovem atuava como marceneiro em uma fábrica de móveis há quase três anos.
Ao g1, Roberto Souza, tio de Guilherme, ressaltou que a família era muito unida e que se reunia frequentemente em momentos de fé e lazer.
"Nossa relação é muito próxima. Todo feriado que tem, a gente reunia a família com o Guilherme, a gente dava risada, a gente fazia churrasco. A gente cantava hinos, louvores, falava da palavra [de Deus], fazia jogos bíblicos, assim que era a nossa vida. Era não, ainda é porque tem que continuar. Mas com um vazio", disse.
Segundo ele, o sobrinho estava ajudando a programar o aniversário de 70 anos da avó. "A gente não sabe como que vai ser sem ele. Ela está muito abalada, já é o segundo neto que ela perde. O meu irmão perdeu um nenê recém-nascido recentemente. E agora é o Guilherme."
No velório, realizado no domingo (6), em Parelheiros, amigos da igreja cantaram e homenagearam o marceneiro. "É só ver quantas pessoas estiveram. Ele era muito querido pela comunidade. É só olhar as imagens do velório."
No velório, realizado no domingo (6), em Parelheiros, amigos da igreja cantaram e homenagearam o marceneiro.
Arquivo pessoal
Guilherme estava no segundo dia de trabalho após retornar das férias. Segundo relatos de sua família, ele costumava seguir sempre a mesma rotina: do trabalho para casa, da casa para a igreja, e da igreja para o trabalho.
"Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para a igreja. Era sempre assim", contou à TV Globo Sthephanie dos Santos Ferreira Dias, viúva de Guilherme.
Na noite do crime, o marceneiro havia acabado de bater o ponto e avisou a esposa que estava indo embora. Ele mesmo publicou no status do WhatsApp uma foto do relógio de ponto à saída do trabalho.
À direita, o PM Fábio Almeida, que matou por engano Guilherme, de 26 anos
Reprodução/TV Globo
A morte de Guilherme causou revolta e tristeza entre familiares e amigos. Sthephanie atribuiu a reação do policial ao racismo estrutural presente no caso.
Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que, para ele, não é nada.
"Nunca se envolveu com nada. Era sempre assim, estava na casa dos pais ou em casa. Ele não é isso o que o povo está falando", desabafou a esposa.
Guilherme e Sthephanie completariam dois anos de casados em agosto. Eles tinham o sonho de ter filhos e planejavam viajar para comemorar a data.
"O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho", contou a mulher.
"Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo conseguir um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor."
Na mochila, Guilherme carregava apenas um livro, marmita, talheres e a roupa de trabalho. Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora.
"Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: 'Estou indo embora'. Às 22h38. [Eram] duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava", disse.
O policial militar foi afastado do serviço operacional. Procurada, a defesa dele disse que não vai se manifestar e irá aguardar o andamento das investigações.